terça-feira, 29 de março de 2011

Congresso Brasileiro de Teatro


O Congresso Brasileiro de Teatro, realizado em Osasco, São Paulo, nos dias 26 e 27 de março de 2011, que reuniu profissionais do teatro nacional de vinte estados e do Distrito Federal, com os objetivos de:
discutir e refletir sobre as atuais políticas públicas culturais executadas pelas instâncias públicas e privadas;
e assegurar o debate e a implantação das propostas do setor teatral elaboradas e apresentadas à sociedade e ao Estado, ao longo dos últimos oito anos, decidiu:
considerando os relatos dos congressistas que comprovam que os espaços públicos no Brasil tem sido privatizados, por meio de cobrança de taxas, proibição aos artistas de exercer seu ofício, com o uso de violência física e moral, apesar do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira garantir o direito de ir e vir e a liberdade de expressão, entendemos que a mesma está sendo desrespeitada nas instâncias municipal, estadual e federal;
- elaborar instrumentos jurídicos que regulem a ocupação dos prédios públicos ociosos, bem como imóveis que tenham possibilidade de agregar os artistas;
- criar uma comissão para impetrar uma carta-denúncia que deverá ser entregue em audiência com a Ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos;
- apoiar o projeto de lei federal apresentado pelo Dep. Fed. Vicente Cândido, lido em plenária, que regulamenta a garantia deste direito.
E, também,
considerando os esforços realizados no Congresso Brasileiro de Teatro (1979, em Arcozelo) Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo (anos 80), o Movimento Arte Contra à Barbárie (1998), Redemoinho (2004-2009), Rede Brasileira de Teatro de Rua (2007), que culminaram na elaboração da Lei Prêmio do Teatro Brasileiro,
- exigir, em caráter de urgência, a sua votação pelo Congresso Nacional e, posteriormente, a sua implementação pelo Ministério da Cultura;
- fazer mobilização nacional pela votação imediata do Prêmio Teatro Brasileiro;
A plenária do Congresso Brasileiro de Teatro exige, ainda:
- aprovação imediata do Projeto de Lei PROCULTURA, no qual está inserido o Premio Teatro Brasileiro, com dotação orçamentária própria em Lei especifica;
- a execução, pela FUNARTE, dos editais relacionados ao Fundo Setorial de Artes Cênicas;
- a definição do dia 27 de março como o Dia Nacional de Mobilização do Teatro;
Ficou decidido que a data do 2º. Congresso Brasileiro de Teatro será dias 06,07 e 08 de abril de 2012 em Brasília, Distrito Federal.
Osasco, 27 de março de 2011, Dia Mundial do Teatro.

MOÇÃO DE REPÚDIO À RENÚNCIA FISCAL

O Congresso Brasileiro de Teatro, realizado na cidade de Osasco (SP), nos dias 26 e 27 de março de 2011, repúdia todas as formas de renúncia  fiscal por considerar que estas não atendem às necessidades reais dos trabalhadores da cultura e também da população brasileira, fazendo com que o destino dos fundos públicos sejam transferidos às grandes empresas e seu fim determinado por profissionais de marketing, os quais seguem a lógica estrita do lucro.


Este modelo causa uma grande distorção na distribuição de recursos, centralizando-os nas metrópoles, aprofundando, assim, as desigualdades na distribuição de investimentos que provém de tributos e são, portanto, recursos públicos.
A renúncia fiscal beneficia projetos artísticos alheios à diversidade da produção existente, já que viabiliza produções que atendam a lógica do mercado. Além disso, exclui a maioria da população brasileira ao acesso à cultura, impondo ingressos a custos elevados e outras estratégias de exclusão.
Por não vislumbrarmos outra possibilidade além do compromisso do Estado em garantir investimento direto na cultura, sem intermediações do setor privado, exigimos a extinção do modelo de renúncia fiscal.

Osasco, 27 de março de 2011, Dia Mundial do Teatro.


MOÇÃO DE REPÚDIO
À CRIMINALIZAÇÃO DO ARTISTA DE RUA

Nós, artistas reunidos no Congresso Brasileiro de Teatro, realizado na cidade de Osasco-SP, nos dias 26 e 27 de março de 2011, repudiamos as ações de repressão do Estado que vêm acontecendo em todo o território nacional, desrespeitando o cumprimento do artigo 5°, inciso IX da constituição federal, que garante a livre expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, independentemente de censura ou licença nos espaços públicos.
As ações de coibição, repressão, apreensão de material de trabalho, prisão e agressão de artistas, além da cobrança de taxas, privatização dos espaços públicos e outras exigências que inviabilizam a utilização desses espaços por parte do artista, ferem os diretos garantidos em lei na constituição federal.
Portanto, cobramos do estado uma ação contundente e imediata de isenção de quaisquer taxas e exigências documentais, e que faça valer o direito constitucional de liberdade de expressão e utilização do espaço público.
Osasco, 27 de março de 2011.
Congresso Brasileiro de Teatro

sábado, 19 de março de 2011

Homenagem a Augusto Boal: 80 anos



(Carta escrita pela psicanalista Maria Rita Kehl, em homenagem a Augusto Boal, que completaria 80 anos neste mês).

Lições de Boal
É muito bom quando uma amizade, além de nos fazer companhia, nos ajuda a entender o mundo. Acho que com o Augusto, todas as amizades eram assim. Duvido que alguém tenha passado por ele sem aprender muito. Mas, como todos sabem, ele não era nem um pouco professoral. Simplesmente o modo de ele estar no mundo, com o outro, era este: pensante, pensante, pensante. Pensava com entusiasmo, descobria e transmitia com entusiasmo. Por isso, ensinava.
Conheci a Cecília [esposa de Boal] em 1998, mas só em 2003 o Augusto quebrou o isolamento produtivo em que ele ficava, na salinha que eu chamava de seu “aquário”, para conversar comigo. Isto aconteceu depois que a Cecília conseguiu convencê-lo a ir ouvir uma conferência minha sobre televisão e Sociedade do espetáculo (Guy Debord).  Eu estava toda orgulhosa de ter decifrado um pouco o livro do Debord, que parece fácil, mas é encrencadíssimo. Augusto ouviu até o fim, fez boas perguntas e observações no debate, sem nenhuma arrogância por ser o homem mais importante daquela sala. A partir desse dia, fui considerada uma interlocutora. Ele saía do aquário para conversar comigo. Fiquei vaidosa, claro. Mas demorei a perceber que o interesse dele pela conversa tinha muito mais de generosidade do que parecia. Ele não tinha nada a aprender comigo, embora tenha percebido em mim, rapidamente, uma aliada. Mas percebeu também que poderia me ajudar a ampliar meu horizonte de psicanalista de esquerda.
Aquilo que aprendi com ele, ainda não terminei de processar – porque Augusto não era acadêmico, nunca me deu textos prá ler nem citou autores difíceis. Ele sentava por perto, quando eu tomava café em sua casa, e puxava um assunto. Vou direto ao ponto: com ele entendi que a subjetividade é um palco e nós, que nos achamos tão espontâneos e autênticos, estamos sempre representando. A idéia tão avançada da sociedade do espetáculo não está errada, mas Guy Debord acrescentou apenas um parágrafo na longa história da teatralidade humana. O que o Boal me disse, para começo de conversa, foi que as sociedades de corte também dependiam do espetáculo para assegurar a continuidade do poder. As festas da coroação, os casamentos reais, tudo o que a corte fazia era aberto e exibido para a plebe, de modo que as pessoas se sentissem participantes do espetáculo, sem perceber que não eram participantes do poder. A Roma do “pão e circo” também usava o espetáculo para sustentar o império. A idéia de sociedade do espetáculo, portanto, não é contemporânea – o que mudou, com a televisão, a publicidade etc., foram os meios de globalização do espetáculo, que com isso também se tornou mais onipresente e mais permanente na vida das pessoas.
Depois aprendi que essa conversa de “somos todos atores” não é demagogia para desinibir os jovens aspirantes a entrar no teatro. Somos todos atores porque nosso ser, desde o mais íntimo, é inseparável daquilo que mostramos para o Outro. Somos seres públicos, mesmo nos casos em que a família seja a única platéia de uma vida toda – o que é muito pouco, porque a partir da infância,  o sujeito cresce e se realiza ao se projetar em círculos maiores do que este primordial, familiar. E tem mais: aquilo que encenamos para o outro, e o modo como o outro nos interpreta, ajuda a formar nossa subjetividade.
Assim, há sociedades que exigem de nós personagens poderosos, corajosos, heróicos, justos – como as ordens de cavalaria do final da Idade Média – e contribuem para que, representando este papel, nos tornemos mais corajosos, talvez heróicos, relativamente justos. Há sociedades, como a atual, que incentivam personagens exibidos, consumistas, egoístas, voltados para o prazer individual – e conseguem formar pessoas assim, porque é assim que respondemos ao papel que esperam que representemos. Claro que a subjetividade comporta outras dimensões, mas com Boal entendi o enorme peso desta dimensão pública, teatral, que faz parte do mais profundo no nosso ser.
Entendi também que o papel que escolhemos representar, nos modifica. Este é o “milagre” operado pelo Teatro do Oprimido. Quando escolhemos o papel de agentes transformadores da realidade em que vivemos, este papel há de nos transformar para que sejamos capazes de contribuir com a transformação social. Se escolhermos o papel de vítimas passivas, ficaremos passivos e vitimados, a fazer um teatrinho de lamúrias e denúncias. Se fizermos do teatro um instrumento político ele há de nos transformar em agentes transformadores no espaço público. Se fizermos dele um instrumento terapêutico, ele pode curar alguns de nossos sintomas, mas também pode nos transformar em sujeitos centrados na nossa própria psicologia, que só se compreendem no mundo a partir das pequenas patologias da vida privada.

Que personagens desejamos ser, que enredo escolhemos representar? Augusto deixou esta pergunta a todos. Sabia que não podia respondê-la por nós, pois ninguém escolhe pelo outro. Os integrantes do CTO terão que continuar escolhendo sempre, a cada novo conflito, a cada nova crise, o papel que desejam representar e os sujeitos em que desejam se transformar.
E a cada nova escolha, vale a pena recordar aquelas que foram feitas, com muita coerência e sinceridade, pelo nosso querido Boal. Pois ele era um personagem ambulante de si mesmo, tão completamente, que nunca falsificava seu próprio papel. Ele tornou-se o homem transformador e inspirador de transformações alheias – um papel que, desde bem jovem, escolheu representar.
Longa vida à memória de Augusto Boal.

III Semana de Arte-Educação