terça-feira, 26 de julho de 2011

O direito de sonhar (Eduardo Galeano)


O direito de sonhar não consta entre os trinta direitos humanos
que as Nações Unidas proclamaram em fins de 1948.
Mas se não fosse por ele, e pelas águas que dá de beber,
os demais direitos morreriam de sede.
Deliremos, pois, um pouquinho.
O mundo, que está de pernas pro ar, se colocará sobre seus pés:

Nas ruas, os automóveis serão pisados pelos cachorros.
O ar estará limpo dos venenos das máquinas,
e não terá mais contaminação
do que a que emana dos medos humanos e das humanas paixões.
As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel,
nem serão programadas pelo computador,
nem serão compradas pelo super-mercado,
nem serão assistidas pela televisão.
                                                
A televisão deixará de ser
o membro mais importante da família,
e será tratado como o ferro de passar ou a máquina de lavar roupas.
As pessoas trabalharão para viver,
ao invés de viverem para trabalhar.

Em nenhum país serão presos
os jovens que se negarem
a prestar o serviço militar,
e sim os que quiserem prestá-lo.

Os economistas não chamarão
nível de vida ao nível de consumo,
nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.
Os cozinheiros não acreditarão
que as lagostas gostam de serem fervidas vivas.
Os historiadores não acreditarão
que os países gostam de ser invadidos.
Os políticos não acreditarão que
os pobres gostam de comer promessas.

O mundo já não estará em guerra contra os pobres,
e sim contra a pobreza,
e a indústria militar não terá outro remédio
a não ser declarar-se em falência para sempre.

Os meninos de rua não serão tratados como se fossem lixo,
porque não haverá meninos de rua.
Os meninos ricos não serão tratados como se fossem dinheiro,
porque não haverá meninos ricos.

A educação não será o privilégio de quem puder pagar.
A polícia não será a maldição de quem não puder comprá-la.
A justiça e a liberdade, irmãs siamesas condenadas a viver separadas,
voltarão a se juntar, bem juntinhas, costas com costas.

Uma mulher, negra, será presidente de Brasil
e outra mulher, negra, será presidente dos Estados Unidos da América.
Uma mulher índia governará a Guatemala e outra, o Perú.
Na Argentina, as “loucas” da Praça de Maio
serão um exemplo de saúde mental,
porque elas se negaram a esquecer
em tempos de amnésia obrigatória.

A Santa Madre Igreja corrigirá algumas erratas
das pedras de Moisés.
O sexto mandamento ordenará: "Festejarás o corpo".
O nono, que desconfia do desejo, o declarará sagrado.
A Igreja também ditará um décimo-primeiro mandamento,
que o Senhor havia esquecido:
“Amarás a natureza, de que és parte”.
Todos os penitentes serão celebrantes,
e não haverá noite que não seja vivida como se fosse a última,
nem dia que não seja vivido como se fosse o primeiro.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Decreto de São Paulo sobre a arte nas ruas

Esses dias, tivemos uma boa e irônica notícia: um decreto da Prefeitura de São Paulo que reconhece o direito de expressão dos artistas de rua. Digo "irônica" pela necessidade de um decreto que reafirme um direito constituicional; direito que, por sinal, vinha sendo desrespeitado pela própria Prefeitura, na gestão Kassab.

De qualquer forma, esse decreto é uma conquista dos artistas de rua do Brasil inteiro, que há tempos vêm se manifestando contra as condições nada favoráveis com que lidam diariamente. Em março de 2011, o Congresso Brasileiro de Teatro elaborou uma Carta contendo uma Moção de Repúdio à Criminalização do Artista de Rua (a Carta foi postada aqui no blog, no mês de março).

No entanto, a verdadeira conquista não está no papel: estará nas ruas, na livre-expressão dos artistas, dos cidadãos. E não apenas como uma atração turística da cidade, mas exercendo um papel que é o de possibilitar que os espaços públicos sejam pontos de encontro, de trocas, de reflexão e diversão; que as ruas, praças e calçadões não sejam somente apenas lugares para se passar, mas também para ESTAR.

A seguir, a íntegra desse documento que, a meu ver, deve ser bem lido, inclusive em suas entrelinhas - naquilo que "permite" e no que proibe. Chamo atenção, especialmente, para o artigo 9 do decreto: uma brecha que o poder costuma usar muito bem para justificar suas arbitrariedades.

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DECRETO Nº 52.504, DE 19 DE JULHO DE 2011

Disciplina a utilização de vias e logradouros públicos da Cidade de São Paulo para a apresentação de artistas de rua.

Gilberto Kassab, Prefeito do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, CONSIDERANDO a necessidade de definição de regras e critérios objetivos pelo Poder Público Municipal, visando preservar a livre expressão das atividades e manifestações artísticas e culturais nas vias e logradouros públicos da Cidade de São Paulo, bem como assegurar o bem-estar da população, D E C R E T A:

Art. 1º. Fica permitida aos artistas, em caráter experimental, na forma regulamentada por este decreto, a apresentação gratuita de seu trabalho em vias, parques e praças públicas, observado o disposto na Constituição Federal, sendo vedada qualquer forma de comercialização em tais apresentações.

Art. 2º. As manifestações artísticas permitidas por este decreto são as seguintes:
I - música executada individualmente ou em grupo, ao vivo, com ou sem auxílio de instrumentos musicais;
II - dança executada individualmente ou em grupo;
III - malabarismo ou outra atividade circense;
IV - teatro;
V - poesia e literatura apresentadas de forma declamada ou em exposição física das obras.

Parágrafo único. Em todas as atividades e apresentações artísticas e culturais previstas nos incisos I a V do “caput” deste artigo deverão ser obedecidos os parâmetros de incomodidade e os níveis máximos de ruído estabelecidos para cada zona da Cidade pela Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004, especialmente nos casos em que sejam utilizados instrumentos musicais ou aparelhos de som.

Art. 3º. Os artistas deverão permanecer de forma transitória nas vias, parques e praças públicas, vedada qualquer forma de reserva de espaço para uso exclusivo, devendo tal utilização limitar-se exclusivamente ao período de execução da manifestação artística.

Art. 4º. As atividades que necessitem de montagem de estrutura para sua execução somente poderão ser realizadas em parques e praças públicas, desde que respeitado o livre trânsito de pessoas e a integridade das áreas verdes e demais instalações do logradouro, com observância das seguintes regras:
I - os pisos elevados de madeira, estrutura metálica ou de qualquer outro material deverão ter área máxima de 6m² (seis metros quadrados) e altura de até 50cm (cinquenta centímetros), podendo ser instalados mediante prévia comunicação à SVMA ou à Subprefeitura competente, conforme o caso, desde que:
a) sejam utilizadas estruturas de montagem manual e facilmente removíveis, que deverão ser retiradas pelo artista imediatamente após o término da apresentação;
b) não possuam nenhum tipo de estrutura vertical além do piso;
c) tenham todas as laterais fechadas;
II - qualquer outro tipo de estrutura para realização do evento dependerá de Alvará de Autorização, expedido pela Subprefeitura competente, nos termos da legislação pertinente;
III - atividades que necessitem de utilização de veículos dependerão de prévia concordância da Companhia de Engenharia de Tráfego - CET.

Art. 5º. Além da observância ao disposto nos artigos 2º e 3º deste decreto, as apresentações e manifestações artísticas e culturais realizadas em vias públicas deverão obedecer sempre as seguintes normas:
I - deverá ser mantido o mínimo de 1,20m (um metro e vinte centímetros) de calçada livre e desimpedida para tráfego de pedestres, respeitada a ocupação máxima de 1/3 (um terço) da largura total do passeio;
II - deverão ser respeitados a livre circulação de pedestres e o tráfego de veículos, bem como preservados os bens particulares e de uso comum do povo.

Art. 6º. Ao artista que se apresentar nas vias, parques e praças públicas é permitido aceitar contribuições pecuniárias, desde que feitas de forma voluntária pela população, sem qualquer tipo de imposição.

Art. 7º. No que se refere aos parques municipais, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente editará portaria, estabelecendo normas específicas para sua utilização, considerando as características próprias dessas áreas verdes, bem como a natureza das apresentações artísticas ou culturais.

Art. 8º. O descumprimento ao disposto neste decreto ensejará a suspensão da apresentação, bem como a apreensão dos equipamentos e materiais utilizados.

Art. 9º. A Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras poderá editar portaria contendo normas complementares à execução deste decreto.

Art. 10. Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Prefeitura do Município de São Paulo, aos 19 de julho de 2011, 458º da fundação de São Paulo.
Gilberto Kassab, Prefeiro
Ronaldo Souza Camargo, Secretário Municipal de Coordenação das Subprefeituras
Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, Secretário Municipal do Verde e do Meio Ambiente
Giovanni Palermo, Secretário do Governo Municipal – Substituto Publicado na Secretaria do Governo Municipal, em 19 de julho de 2011.

III Semana de Arte-Educação